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Reforma tributária mundial a caminho

A iniciativa representa uma reação coordenada dos entes tributantes ao avanço da

iniciativa privada rumo a um mundo sem barreiras comerciais físicas


Artigo publicado no Valor Econômico. Clique aqui para ler o artigo original.


Jarra virada com moedas
Por J. Rubens Scharlack, sócio-fundador da Scharlack Advogados e Scharlack PLLC

Mais palpável do que a reforma tributária brasileira é uma reforma tributária mundial. Mais precisamente, uma importantíssima mudança de paradigmas em direito tributário internacional. Na esteira de seu projeto Beps (Base Erosion and Profit Shifting), os países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estão em vias de concluir um acordo político inédito, com a introdução de dois novos direitos de tributar: (1) o direito da jurisdição onde se encontra o mercado consumidor de determinados produtos ou serviços (a chamada jurisdição de mercado) tributar parte do rendimento do vendedor remoto e (2) o direito da jurisdição onde esteja estabelecida a empresa matriz (a chamada jurisdição de residência) tributar uma porção da renda do

respectivo grupo multinacional.


Esses dois novos conceitos decorrem da digitalização e da globalização da economia, e da progressiva diluição das fronteiras entre os países para fins econômicos. O direito tributário internacional passará a reconhecer essa diluição e, ao mesmo tempo, garantirá aos países o direito de tributar quem, formalmente, estaria fora de seu alcance. O Estado sempre teve o poder de tributar seus jurisdicionados. Um país somente tributa a renda de seus residentes ou, então, a renda que nele tem fonte. Ambos os conceitos, de residência e de fonte, foram lapidados pelo direito tributário internacional por longas décadas. Agora, passam a receber novos e instigantes contornos.


O direito tributário reconhecido à jurisdição de mercado está sendo provisoriamente denominado Montante A e pertence ao Pilar 1 do projeto da OCDE. Com ele, um país como o Brasil, que tem um mercado consumidor cobiçado pelo resto do mundo e explorado por diversos vendedores remotos de bens e serviços, sobretudo digitais, poderá alcançar e tributar parte da renda do vendedor remoto, muito embora este possa estar estabelecido na Itália e não possuir qualquer subsidiária ou estabelecimento permanente no Brasil. Por ser um poder tributário acordado, o Montante A substituirá com vantagens ao menos quatro projetos de lei atualmente existentes no Congresso Nacional que criam ou enlarguecem a incidência de contribuições sobre o faturamento de vendedores remotos situados no exterior (cada um deles instituindo, embora com siglas diferentes, o que veio a ser cunhado internacionalmente de unilateral digital services taxes, ou DSTs).


De sua vez, o direito tributário reconhecido à jurisdição de residência faz parte do Pilar 2 da iniciativa da OCDE. Com ele, um país como os Estados Unidos, que abriga muitas das principais empresas do mundo, poderá alcançar e tributar um percentual mínimo dos lucros das empresas que compõem o grupo econômico multinacional que essas empresas controlam, caso determinado país que sirva de residência fiscal para determinada empresa do grupo não tribute seu lucro ou o tribute abaixo de certo patamar. O Pilar 2 afetará a política tributária de diversos países que hoje atraem investimentos estrangeiros em razão de sua baixa ou nula carga tributária (os chamados paraísos fiscais). Ele também serve como moeda de troca para que jurisdições de residência abram mão de parte do tributo sobre a renda de seus residentes em prol das jurisdições de mercado.


Embora isso não reste explícito nos materiais até agora divulgados, tanto o Montante A do Pilar 1 quanto o Pilar 2 têm em comum um certo reajuste do conceito de contribuinte, com a diluição de alguns de seus contornos jurídicos (que hoje delimitam a figura do contribuinte a uma pessoa física ou uma pessoa jurídica) e sua substituição por traços mais econômicos (que assim aproximam a ideia de contribuinte à de grupo econômico).


A iniciativa representa, ao mesmo tempo, uma reação coordenada dos entes tributantes ao avanço da iniciativa privada rumo a um mundo sem barreiras comerciais físicas (pois a internet, apesar de sofrer progressiva regulamentação em outras frentes, ainda constituía uma fronteira inexplorada sob a perspectiva tributária internacional) e uma tentativa de reequilíbrio de poder entre os próprios entes tributantes (vale dizer, as jurisdições de mercado/fonte vis a vis as jurisdições de residência).


Uma vez vencida a etapa de tratativas entre os países, deve ser ela implementada por meio de um acordo multilateral, a exemplo do que ocorreu com os Common Reporting Standards (CRS) da própria OCDE, a que diversos países (dentre os quais os EUA e o Brasil) aderiram concomitantemente, obrigando-se assim a anualmente trocar entre si informações produzidas por suas instituições financeiras de acordo com um padrão determinado. Logo, a mudança, quando vier, será rápida, ao menos no plano internacional.


Restarão aos contribuintes dois caminhos. O primeiro e mais imediato será replanejar suas operações e estratégias de negócio internacionais, realocando fatores de produção de modo a otimizar a nova carga tributária, internacionalmente redistribuída. O segundo, que dependerá de melhor análise à luz da legislação que cada país produzirá para importar as normas do acordo multilateral, será analisar se os novos direitos tributários amoldam-se às normas constitucionais de seus respectivos países e, eventualmente, questioná-los. Afinal, o poder de um ente tributante ainda se encontra, em maior ou menor grau, gravado pela sua Constituição, e não por qualquer acordo supranacional.



 

Autor

Sócio-fundador

Advogado licenciado em São Paulo (graduação pela USP), com MBA pela Fundação Armando Alvares Penteado e University of New Mexico Anderson School of Management, e advogado nos Estados Unidos (licenciado na Flórida) com J.D. cum laude e LL.M. em Tributário, ambos pela University of Miami School of Law (UM).


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